23.2.21

O vinho


O vinho

Olhei no fundo dos olhos dele, estava sem compreender do que se tratava aquela comemoração. Ele sabe que eu sei que ele tem uma amante, e vou acabar com tudo isto de uma vez por todas.

Uma garrafa de um genuíno vinho do porto. Seria este o preço da hipocrisia? Seus olhos enganadores. Como fui uma tola! Já era certo que poderia ser em qualquer outro lugar, que colocaria um ponto final na nossa relação.

Mas Juan é muito inteligente, sabe que não sou do escândalo, logo esperarei o jantar, e em casa, colocarei este traidor para fora.
As pupilas de um mentiroso, expressões do cinismo que afrontam a minha moral. Agora com as provas poderei colocar o aproveitador no seu devido lugar.

Sou uma Dama da alta sociedade carioca, e este? Um pobre qualquer que eu dei o meu sobrenome, a minha fortuna e a minha vida. Metade de uma taça de vinho para finalizar a relação e retomar a viver.

— Amor, não era a hora do seu remédio? O “bom moço”, certamente querendo flertar com alguma dama deste restaurante, querendo que eu vá ao toalete. Mas vou, preciso retocar a maquiagem e compreender como devo tratar com o fim.

Ele olha para os lados e tenta deixar os belos cabelos cacheados ordenados. No pulso um belo relógio, que ofereci-lhe como presente de casamento ano passado. Pensei: Casamento? Eu não aceito este tipo de vida em que preciso dividir o que é meu. Ele é o meu bibelô, ou era, arranjo outro...

— Boa lembrança querido, você não se importa de ficar sozinho? Como sou boba mesmo em ser gentil com um cafajeste como o lobo que coloquei dentro da minha casa. — Seria a primeira amante? A segunda? Quantas seriam?

Deixei minha taça de vinho em cima daquela mesa bem disposta de um belo restaurante italiano, o bom que o dinheiro pode comprar. A última taça de vinho com ele? Certamente.

Já no toalete, depois de tomar o meu remédio, olho ao espelho e retoco a maquiagem, pois precisava estar apresentável para o fim. E ele? Entender que era ele que perderia: Os carros, os cartões e principalmente eu.

Por mais ingênua que eu seja, nossa separação será com comunhão de bens, um bom advogado colocará o aproveitador com uma mão na frente e outra atrás. É questão de quem paga.

Ainda no toalete, olho ao espelho e surge uma moça bem jovem. Pede o batom emprestado. Pensei: Que abuso? Onde esta novinha colocaria a boca para ter a ousadia de colocar o meu caro batom da Mac? Sem saber dizer não, deixo usar o meu batom.

Quando aqueles lábios novos passam a sua boca aveludada o meu batom, fico a pensar na amante do meu marido. Seria eu uma velha acabada, e ele precisaria ter suas noites de prazer na cama de uma ninfeta?

— Você esta tão pensativa – disse a loira que aparentava ter uns 17 anos, com um vestido bem colado ao corpo. Paro de olhar para a moça, realmente não era nada conveniente ficar comparando uma desconhecida com a minha algoz.

— Nada não querida, pode ficar pra você o batom, preciso voltar para a mesa pois o meu marido esta esperando ansioso. Parece que precisava mentir para a sociedade que tinha um casamento de fachada, até mesmo para uma menina em um toalete qualquer.

Ao voltar a mesa, parecia que o meu marido estava arrumando a minha taça, pois mexia nela. Eu queria tomar logo aquele vinho e sair urgentemente daquele local, olhar aquela jovem no banheiro me fez compreender qual seria a minha vingança, meu próximo "bibelô", um garotão, só por desforra.

Sentei na cadeira. Olhava para ele, que parecia observar a taça de vinho. Eu olhava a taça dele, um bom vinho isto era, o nosso último vinho em casa, lhe demonstraria toda a verdade e colocaria todas as cartas na mesa, deste modo terminaria a minha relação.

— Vamos embora Juan – agora estava começando a ficar transtornada. Ele com uma calma assustadora entrelaçou os dedos nas mãos e disse:
— Antes finalize a taça de vinho.

Foi o que eu fiz. Tomei aquele líquido em um gole só. O gosto me pareceu salubre e aos poucos, minha visão começou a ficar turva, olhava na mesa da frente a loirinha com um velho, outras pessoas que parecia conhecer, o garçom e veio a escuridão.

Quando abri os olhos estava em uma escuridão assustadora. Onde seria este local? entendia que estava presa, e era uma caixa, a escuridão sufocava. Comecei a gritar:

— Me tire daqui!

Arranhava a tampa daquele local inóspito, tentava inutilmente me mover, estava deitada, e agora entendia do que se tratava, era um caixão e eu dentro dele.

Arranhava o teto daquele lugar que eu nunca imaginava estar. Tentava me desvencilhar de flores e de um tecido fino que me prendia a aquele lugar...

— Meu Deus me tire daqui!

Meu corpo foi enfraquecendo minhas pernas doíam de tanto bater e chutar, e entendi que era o fim.
...

Tempos depois por uma denúncia anônima, fizeram autópsia na Dama carioca que morreu de forma misteriosa.

Um velho Senhor esperava a sua prostituta para uma noitada, e observou um jovem vistoso colocar algo na bebida da mulher, demorou dias para tomar coragem de denunciar. Leu que a causa da morte da Dama era ataque cardíaco por causas desconhecida.

Na autópsia os legistas constataram ser um caso de envenenamento, somente não compreenderam os arranhados na tampa do caixão e os dedos machucados da Jovem Senhora.

[revisado 13-03-2021]

Notas do autor:
Baseado nesta música da Avril Lavigne:

<Avril Lavigne - I Fell In Love With The Devil (Official Video) - YouTube>

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