Nunca compreendi o porquê aquilo ocorreu, todavia aconteceu. Nossa relação era boa, às vezes ele corria atrás de mim com uma vara, destas que se arranca de árvores ipês, sapecava no fogo era eu correndo para não apanhar do pai. Antes ele me batesse...
Meus irmãos também, aquela escadinha clássica, a de trocar de roupa quando o calcanhar aparece. — Sabe?
A nossa família era boa, a mãe parecia gostar muito dele. Nunca entendi qual a razão daquilo!
Ele ficava, horas olhando de modo vago para o horizonte ao entardecer. A mãe falava:
— Maldita pinga. Ele gostava de um gole, assim era o comentário. Era o modo de anestesiar a vida puxada de pedreiro. Isto que falavam.
Eu não! – pensava – E me esforçava para ir para a escola.
Na roça tornava-se quase xingamento quem se empenhava nos estudos.
Quando íamos para a cidade, ele sentava no banco da praça e ficava daquele jeito estranho. A mãe sempre aperreava ele. Dando cascudo na cabeça.
Não entendia o motivo dele ficar aluado. — Entende?
Crescíamos, a mãe cada vez mais cabisbaixa, parece que o Pai não alegrava ela quanto deveria. A minha avó sempre dizia.
— Larga deste traste!
Traste, era de doer escutar aquilo, afinal era o meu pai! Esta certo que arrumar cerca e fazer casebres aqui e ali não era o que se esperava de quem morava na roça.
Ele não gostava de carpina, nem de cuidar dos porcos. Não tinha futuro nossa vida. Mal dava para se alimentar.
Era muita correria.
— Eu? A vergonha da família, minha mão não tinha calo, meus irmãos ajudavam. E meu pai sumia, às vezes.
— É a pinga!
A vida foi passando e certo dia, fomos com muito custo comprar mantimento. Ele foi lá no banco da praça. O terceiro. E sentou.
O olhar parecia bobo. Não piscava.
A mãe chamou ele.
Ele não escutou. Ela começou a se desesperar.
Ele sumiu correu.
Minha mãe procurou. Procuramos e nada!
Meu pai tinha sumido.
Voltamos, a sogra disse:
— É um aluado, é de família, o avô era assim também.
Aquilo doeu na minha alma, o fato de ser aluado e de família, como uma doença maldita, era o meu pai um doente.
Fomos assuntar, o pai não era pinguço não; o dono do bar das redondezas, disse que ele não bebia um gole. Nada. Era calado e estranho.
Passou uma semana e nada do pai voltar para a casa.
Minha mãe foi buscar seu homem, e encontrou-o na praça sentado no banco, agora tinha barba na cara e parecia todo mijado.
A mãe chamou ele. Pediu perdão, chorou. Ficamos com a tia olhando de longe. Era muita judiação. Do mesmo modo que antes ele correu. Estávamos desesperados. O pai não era o mesmo.
O tempo passou, o pai sumiu, aquela praça ficou vazia, eu procurava ele e nada! Fomos e fazemos o relato na polícia do desaparecido. Ele teria morrido atropelado, nas correrias da sandice, por certo.
O tempo passou. Casei constitui família, agora na cidade, deixei o campo, a roça não era para mim.
Minha mulher era bem compreensível, aceitava meu jeito calado, não gostava de gente, era casa, serviço e só.
Certo dia sentei no banco da praça, parecia ter visto o meu pai, era quase uma certeza, mas não era, outro senhor talvez, não era ele.
Todas as tardes, voltava na esperança de vê-lo. Homem feito aceitava até mesmo levar umas varadas, só para ter meu pai comigo de volta.
A mulher não compreendia o meu sentar na praça.
Nunca contei como meu pai sumiu. Era vergonha para mim, contar que era filho de um aluado.
Acordava com zumbidos inexplicáveis. Precisava ficar sozinho para assuntar.
Um dia peguei meu carro e fui numa cidade vizinha. Era irresistível sentar no banco daquela praça. Sentei.
Fotos: Pixabay comum Creative Leroy_Skalstad
Nota do autor:
Um daqueles contos que estava relutando em escrever, baseado em Menino do Engenho, livro de José Lins do Rego e no conto, A terceira Margem do Rio, João Guimarães Rosa. Seria um conto Drama ou terror Psicológico. Doenças hereditárias deixam qualquer pessoa apavorada, poderia explorar mais as partes psicológicas by Clarice Lispector, todavia, penso que estar de bom-tom este conto. Passei-lhe a régua.
Quer saber a minha motivação a escrever este conto? Leia aqui
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