24.3.21

July eu te amo

 

— Preciso respirar, sim preciso: 
— Respirar!

A máscara estava me matando, era sufocante, na televisão em todos os lugares, observava, a morte de longe. Mas aqui neste hospital ela estava bem perto.

— O que pensas July?
"Nada amor, é um pensamento bobo somente."

O
lhava para ele, George. Uma vida inteira pela frente interrompida por este maldito câncer. Precisava tratar das minhas dores interiores, e não enviar ao meu amado as minhas bobas preocupações.

— Vou tomar um copo de café e lavar meu rosto amor. Estou um pouco cansada.
"Vai lá amor"

Ao caminhar pelo calçadão observava de longe o mar, a praia deserta e carros passeando em uma cidade desolada. A propagação da pandemia era tamanha, e por conta da quarentena estavam monitorando as pessoas.

Não era permitido andar naquele lugar. E do que importa isto para mim? O meu amor e a minha vida estaria partindo em breve.

— Chorar? Já findei todas as minhas lágrimas, era algo vencido aquilo.

Olhei para ele. Carlos Drummond de Andrade, ao meu lado sentadinho e com uma máscara. Dei uma risada, e trouxe-me um pouco de alívio. A bela Copacabana que George não poderia mais passear, seu estágio era terminal.
Fechei os meus olhos, queria sentir a brisa e o ar.

Antes de voltar ao hospital.

Claro que precisava ser rápida, provavelmente algum guarda já monitorava o meu celular e não era permissível estar naquele local.

— Do que me importa?

Ao abrir os olhos eu o vi.
Simplesmente vi

Meu corpo ficou totalmente arrepiado, no entanto, foi  divino e inexplicável o que vi.

Ele me abordou assim:

— O que foi? Lhe assustei?

Era lindo o seu rosto, resplandecia uma luz inexplicável, o perfume parecia caramelo. E no lugar da estátua do poeta famoso eu observava outra pessoa.

Comecei a chorar, era inevitável o meu choro eu não entendia o que estava acontecendo comigo.

— Vim aqui te confortar July, seja forte, ele fez bem o seu papel neste plano. Agora ele precisa voltar.

— Voltar?

Eu não entendia mais nada, parecia que meus pés flutuavam, e agora as preocupações e anseios eram todos substituídos pela curiosidade, medo e  apreensão.

— Agora feche os olhos. Disse ele com uma voz angelical.

Fechei, senti o aroma gradualmente, ir-se, sendo possível ouvir uma voz humana, era um guarda municipal, e tudo o que estava num outrora instante mudado, agora era totalmente normal. O banco, o calçadão e o poeta com a máscara. Estava ficando louca...

— Sabe muito bem, ( o guarda disse o meu nome completo, provavelmente pelo celular que estava no meu bolso, era o modo que me rastreou, pois  a cidade do Rio de Janeiro passava por um lockdown.

— Sei sim, é que...

— Nada de é que volte para o seu local de isolamento. E não deixe o meu serviço mais difícil do que já é. O guarda olhava para o celular, parecia que outra ocorrência  a caminho.

Ao retornar para o hospital, tentava pensar se tomara algum remédio, e compreender o que acontecera comigo. No hospital um movimento na frente do quarto do meu amado George, eu ensaiara há dias aquele momento, pois sei que chegaria. Estava preparada? Não, por Deus não estava!

No quarto, familiares e amigos, devido ao estado de isolamento da cidade, minha indagação era como se reuniu tantas pessoas?
A mãe dele chorava, a vida já não o pertencia mais. Sucumbido em uma cama de hospital.

Fiquei em choque. No criado mudo daquele quarto um bilhete simples escrito em um papel, com a letra tremida.

"July eu te amo, voltei para a casa."

Inspiração para o micro conto. Hospedando Anjos sem saber, Prisma (música)


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