21.9.20

Cecília Meireles Motivo








Cecília Meireles


Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Motivo é o primeiro poema do livro Viagem, publicado em 1939, época do Modernismo. A composição se trata de um metapoema, isto é, um texto que se volta sobre o seu próprio processo de construção. A metalinguagem na poesia é relativamente frequente na lírica de Cecília Meireles.

A respeito do título. Motivo, convém dizer que para Cecília escrever e viver eram verbos que se misturavam: viver era ser poeta e ser poeta era viver.

Escrever fazia parte da sua identidade e era uma condição essencial para a vida da escritora, é o que se constata especialmente no verso: "Não sou alegre nem sou triste: sou poeta".

O poema é existencialista e trata da transitoriedade da vida, muitas vezes com certo grau de melancolia, apesar da extrema delicadeza. Os versos são construídos a partir de antíteses, ideias opostas (alegre e triste; noites e dias; desmorono e edifico; permaneço e desfaço; fico e passo).

Outra característica marcante é a musicalidade da escrita - a lírica contém rimas, mas não com o rigor da métrica como no parnasianismo (existe e triste; fugidias e dias; edifico e fico; tudo e mudo).

É de se sublinhar também que praticamente todos os verbos do poema estão no tempo presente do indicativo, o que demonstra que Cecília pretendia evocar o aqui e o agora. 

Referência: https://www.culturagenial.com/poemas-cecilia-meireles/

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