20.3.21

Viagem no tempo | Turbulência

Turbulência

Sempre guardei dentro de mim uma fobia, e ao fechar os olhos na esperança do medo passar, era em vão, ao tentar esquecer o medo se tornava insuportável, uma pessoa adulta sofrendo deste tipo de medo e ainda sendo um Psiquiatra era algo simplesmente insustentável.

Neste exato momento estou sentado numa confortável poltrona de primeira classe rumo a minha cidade destino: Nova York.
Ainda estou no chão, eu estou suando e não consigo disfarçar.

A minha poltrona é individual e isto é um alívio, todavia, olhares distantes parecem me observar. Sinto-me numa grande jaula, sim, este lugar é uma jaula. Estou trancado e serei arremessado a poucos minutos ao meu maior medo: A altura.

A aeromoça muito simpática conta como utilizar a máscara de oxigênio do avião.




Não adianta querer fugir Walter, sou eu rumo ao caos, a fobia e ao desespero. Preciso ter o auto controle, que falo todos os dias, seja nas minhas palestras, seja aos pacientes, ou até mesmo nos meus inúmeros Best Seller que já escrevi. Confesso sou uma mentira. Medo é o que estou prestes a sentir.

Terminando a demonstração, e sentindo o sufocar deste objeto de tortura, acerto-me na poltrona, observo o meu relógio Swatch. 
Nova York estaria com os seus vinte graus, uma temperatura agradável e a hora era uma hora antes da que eu vivo em São Paulo Capital.

Meu Senhor! Sem chances, as turbinas estão sendo ligadas, segura ai que iremos subir!

Nas poltronas da frente, um polaquinho empolgado, falava de modo descontraído, sua idade provavelmente uns nove anos, e de modo espalhafatoso, trajado com o uniforme do time de baseball New York Yankees.

Fecho os olhos, vou encarar este momento, com os olhos fechados, ainda no chão o barulho é insuportável, e aquela criança à frente empolgada, deixando-me ainda mais apavorado. Com os olhos fechados, sou interrompido do meu transe, uma bela aeromoça...

"Tudo bem moço?" 
Pensei 
"Obrigado pelo moço, já passei dos quarenta anos"

A fobia de altura precisava ser controlada, com o corriqueiro e normal. Estaria eu dando pinta de ser um medroso? Imaginei a manchete:
"Avião é atrasado, e causa o caos no aeroporto de São Paulo Capital, por um Psiquiatra que teve um surto" 
Seria realmente o meu fim.

"Tudo bem sim querida, por favor uma água com gás!" A aeromoça toda atenciosa veio prontamente com a água, coloquei no porta latas e ela disse:

"Por favor afivele o cinto que iremos decolar" Coloquei o cinto e sentia-me desconfortável, ela desapareceu da vista, e eu retirei aquele objeto de tortura. Pior coisa que fiz, mas fiz.




Pense você que esta aí do outro lado sentadinho confortável lendo isto o quanto eu sofri! 
Eu segurei com todas as minhas forças aquela poltrona, e obrigado a ficar vendo a diversão daquele menino, a guria do outro lado escutando música o senhor olhando a janela e os meus tímpanos prestes a explodir. Sim, tinha aquela sensação de pressão, e o avião estava decolando.

Fechei os olhos e fiquei em companhia com a escuridão e o barulho. A água  que acabara de tomar voltou. Tive que vomitá-la naquela sacola plástica.

Já no alto, veio a atenciosa aeromoça dizendo: "Relaxa, já passou" Eu fiquei olhando as expressões dela, que mesmo tão atenciosa, esboçava um sorriso de desdém, realmente eu estava sendo patético, isto é fato.

Olhei na janela, outra burrice da minha parte. Os prédios eram pequenininhos, e eu estava acima das nuvens. A velocidade, sei lá deveria de estar rápido, todavia, parecia que plainava tal qual uma gaivota em pleno mar, porém sobrevoava acima da civilização.

A aeromoça novamente, cutucou-me.
"Realmente moço, você esta bem? Quer um analgésico, ou um remédio para o estomago?"


Eu disse àquela exagerada e prestativa moça. "Estou bem sim, obrigado, boa dica, do remédio, mas eu sou um profissional da saúde, Psiquiatra, tenho algum remédio na minha bolsa, obrigado por sua preocupação" Nada sábio as minhas palavras, mal saberia eu que seria motivo de chacota nas coxias daquele avião, O Psiquiatra que esta dando pith, realmente era eu aquilo.

Abri a minha bolsa, e dei graças a Deus por ter deixado algumas amostras grátis dentro dela, desembolsei uma da boa, que era um derruba leão, mesmo sabendo que poderia ter algum efeito colateral; tomei.

Até surtir o efeito liguei meu Kindle e comecei a revisar a minha apresentação, sobre Dejavu e viagens no tempo, era uma perspectiva complexa de traumas que um estudo feito por mim demonstrava os resultados. Ao ler aquele artigo, que já conhecia cada linha de cor e salteado, o sono provocado foi chegando. E desliguei o leitor digital. Com aquele efeito teria oito horas de sono tranquilo? Claro que teria!

...

Desafiando todas as leis da física estava eu andando nas asas daquele avião.




Olhava as nuvens abaixo, o vento batia no meu rosto, e precisava equilibrar-me com todas as forças para não cair daquela asa, olhava o piloto que simplesmente sorria para mim. Aquela aeromoça me chamava para dentro com aquele sorriso polido e forçado.

E eu estava equilibrando-me com os braços abertos a ponto de cair, o piloto fez outro sinal parecia que dizia que continuaria com a rota retilínea, e o seu sorriso era de serenidade, já a aeromoça fazia sinais agora desesperados, para que eu voltasse pra dento do avião, pois era o trabalho dela, a integridade dos passageiros. E eu imobilizado, tentando lembrar cada vírgula da minha apresentação, todavia estava totalmente parado.

O formigamento passava nas minhas pernas, o avião cambaleava agora. E parecia que eu iria cair. A aeromoça abria a janela, e agora era ela que estava se arrastando pela asa. Meus pensamentos lógicos estavam todos indo por água abaixo: "Como?" Ela seria desintegrada, por conta da velocidade, ou já estaria em alto ar. "Como aquela moça conseguia ser tão forte?" Eu travado de medo naquela asa.
Ela chegou e segurou nas minhas pernas.
...

Acordei.

Era realmente a aeromoça, que estava segurando nas minhas pernas. Com um pequeno corte na testa, caída de olhos fechados. Antes continuasse naquele sonho.

Estávamos passando por uma turbulência. As pessoas  desacordadas, e as máscaras de oxigênio  caídas, não sei se o remédio diminuiu minha frequência cardíaca, deixou me suportável aquela situação, coloquei a máscara de oxigênio e respirei bem forte. Olhei para a janela, realmente era uma tempestade grandiosa que estávamos passando. Eram raios e muita chuva, já era noite nem  tomei conta que estava dopado e o tempo  passado.

Eu segurei com todas as forças naquela poltrona, e agora pensei em colocar o cinto, ao ver aquela aeromoça toda ensanguentada, entendi que aquela jaula tremia toda. 

O piloto em vão perguntava pela aeromoça, e pedia aos passageiros para terem paciência e calma. Mal sabia eles que todos estavam desacordados. Quis levantar e tentar observar as condições vitais daquelas cobaias. Todavia o meu medo era maior do que qualquer ato heroico.

Olhei novamente para fora, e parecia que estávamos indo para algo muito estranho, como se tivéssemos sendo sugados para aquela espécie de olho gigante, feito de raios e escuridão.

O piloto falou no alto falante:

"Amigos, quem estiver ouvindo, estamos em pane irreversível, orem e entreguem a sua vida a Deus, fiz tudo o que era possível, porém os dois motores encontram-se em falha. Quem souber ficar na posição fecal, fique, tentarei um pouso forçado em meio a esta tempestade inexplicável."



Li em algum lugar sobre a posição fecal, vi que uma aeromoça se salvou com tal procedimento ilesa, no avião do Chapecoense, sim seria a minha salvação.

Porém era muito estranho o que acontecia, o avião ficou inerte, e estava indo para aquele fenômeno da natureza que eu nunca ouvira falar em todos os anos que já vivera. Aquela fenda gigante. Segurei meus joelhos e confiei no profissionalismo daquele piloto, entrou naquela fenda escura e cheia de raios, sentia choques no meu corpo, fechei meus olhos e comecei a clamar por todas divindades que eu conhecia.

Sou jovem para morrer naquele local.

Não suportei, era muita tensão, tirei outro comprimido do meu bolso e engoli. Tudo tremia.

Apaguei.

Quando acordei, a aeromoça me cutucava novamente, tínhamos chegado, ela realmente estava com o corte da cabeça, já tratado. E tudo estava realmente organizado. Ela contou que a rota atrasara por conta da turbulência. As pessoas não viram nada, porque ficaram desacordadas por conta de uma descompressão. Fui só eu e o piloto que vimos tudo aquilo.

No lado de fora, parecia que estávamos com algo muito estranho naquele avião, pois eram caminhões do exército, e bombeiros nos esperando. Perguntei para a aeromoça.


"Era pra tanto? Uma turbulência?"

 A aeromoça assustada disse:
"Parece que se trata do código oito"


Ficamos em quarentena naquela avião. Todos cochichavam entre si tentando entender do que se tratava. Pedi para conversar com o piloto:


"Amigo, você salvou as nossas vidas" Eu vi tudo, você foi um herói!


Ele disse:
— EU NÃO LEMBRO ME DE NADA DO QUE SE PASSOU.


Ele parecia atormentado, sim conheço perfeitamente aqueles sintomas. 
O piloto perguntou-me se eu poderia contar o que aconteceu. 
Entendi que aquele profissional estava transtornado.


"Mas você pousou com segurança a aeronave, não é?"


"Sim lembro de entrar numa tempestade, e após acordei já aterrissando a aeronave."


Olhei para o meu relógio, o horário estava perfeitamente correto, todavia algo muito estranho aconteceu.
Entrou policiais mascarados.
Levaram as pessoas, parecíamos 'Ets' ou 'infectados'.

Eu perguntei do que se tratava e que era um profissional renomado e estava com uma palestra no Ted para o dia seguinte.

O policial deu risada e disse: "Vocês são um milagre, este avião estava desaparecido há dez anos."

Nenhum comentário:

Recebendo a paciente 23456

  Recebendo a paciente 23456 No silêncio mórbido do Abrigo, mais um dia começava. O holograma de recepção ativava seu modo automático de sau...