30.10.25

Uma Barbárie Anunciada: existe solução para o Brasil?

Uma Barbárie Anunciada: existe solução para o Brasil?

Ontem, ao acompanhar o noticiário e as redes sociais, deparei-me com uma barbárie: mais de 120 suspeitos — sabe-se lá se todos realmente eram traficantes — e quatro policiais mortos em uma megaoperação contra o tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
As imagens e relatos formam um retrato de guerra. Vi moradores transformados em resgatadores de corpos, removendo cadáveres na mata devastada pela favela e pelo morro. Vi corpos estendidos nas ruas, apenas de cueca, após terem suas roupas camufladas retiradas. Vi a Igreja Universal oferecendo ajuda humanitária em meio a um ambiente de medo, raiva e exaustão coletiva.

Do alto dos drones, a cena era clara: um grupo armado, preparado para o confronto. Rostos negros em sua maioria — uma negritude que denuncia, sem precisar de legenda, quem mais paga o preço pela desigualdade histórica do país. A operação durou horas. E eu, diante da tela, me vi compadecido.
Percebi que vivo em um Brasil que ainda não sente o tráfico de forma visceral, como sentem aqueles que puxam corpos na rua principal da favela.

De um lado, policiais que se veem obrigados a adotar a lógica do “matar primeiro, perguntar depois”, porque o entorno é hostil e imprevisível. Do outro, famílias inteiras que precisam adaptar sua rotina a uma realidade onde o crime é o único poder efetivo.
Em meio a isso, crianças sem infância e meninas de 12 anos entregues a traficantes em iniciações que mais parecem rituais de desumanização. É a barbárie dentro da barbárie.

Mas como chegamos até aqui — e como sair disso?

A resposta está nas causas que há décadas o Brasil ignora.
A pobreza, a desigualdade, a falta de educação e de senso crítico tornam crianças e adolescentes alvos fáceis da marginalidade. A superlotação urbana, a ausência do Estado e o descaso com o planejamento familiar agravam o cenário.
Enquanto isso, seguimos discutindo apenas o sintoma: o confronto armado, o número de mortos, o “bandido bom é bandido morto”, como se eliminar corpos resolvesse um problema que nasce muito antes da arma.

Vi recentemente, em um documentário da Netflix, o exemplo de El Salvador — um país que conseguiu conter a criminalidade com uma política de repressão total. As mortes despencaram, mas o preço foi alto: prisões superlotadas, abusos de autoridade e o enfraquecimento das liberdades civis.
Funciona? Em parte, sim. Mas El Salvador é pequeno; o Brasil é um continente. Exportar uma política de força bruta para cá seria repetir o erro de achar que a bala substitui a política pública.

A solução, se é que há uma, passa por um caminho árduo e múltiplo.
É preciso inteligência policial e reforma tática — operações baseadas em investigação e tecnologia, não em carnificina.
É preciso investir na educação e na primeira infância, porque sem escola que forme pensamento crítico, o crime continuará sendo o professor.
É preciso enfraquecer o dinheiro do tráfico, cortando suas rotas financeiras, combatendo lavagem de dinheiro e atingindo os verdadeiros beneficiários do sistema.
E, acima de tudo, é preciso reconstruir o pacto social: oferecer oportunidades, dignidade e perspectiva de vida a quem hoje cresce acreditando que o crime é o único meio de existência.

Nada disso se faz em um mandato, nem com uma operação. É um projeto de país.
Enquanto o Brasil insistir em enfrentar as consequências sem encarar as causas, novas “megaoperações” se sucederão, e novos números — 30, 80, 120 mortos — serão tratados como estatística.
Mas por trás de cada número há um corpo, uma história e um fracasso coletivo.

O que vimos ontem não foi apenas uma operação: foi o espelho do que nos tornamos.
E se há alguma esperança de solução, ela começa com o reconhecimento de que essa barbárie foi, de fato, anunciada — e que, a cada vez que a normalizamos, ajudamos a escrevê-la novamente.
fonte: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/10/29/presidente-da-colombia-comenta-sobre-mortes-em-megaoperacao-no-rio-barbarie.ghtml


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