17.12.24

De Volta pra Casa

Era uma tarde comum, e Miguel, um garoto de apenas sete anos, estava deitado em sua cama, cercado por seus brinquedos coloridos. O sol filtrava-se pelas cortinas, lançando raios dourados que dançavam no chão. Ele fechou os olhos, sonhando com aventuras em mundos distantes, aonde dragões voavam e heróis salvavam o dia. Mas, ao abrir os olhos novamente, a luz tinha mudado.

Miguel não estava mais em seu quarto. Em vez disso, encontrou-se deitado em uma cama estranha, cercado por paredes brancas e frias. O cheiro do ambiente era diferente, um aroma pungente que evocava a mistura de remédios e desinfetantes. Ao olhar ao redor, percebeu que não havia brinquedos. Em seu lugar, havia fotos amareladas de pessoas desconhecidas e flores secas em um vaso.

Miguel se levantou lentamente e olhou para o espelho à sua frente. O reflexo que viu era o de um homem idoso, com cabelos brancos e um rosto marcado pelo tempo. Ele não conseguia compreender como isso era possível. Onde estavam sua mãe e seu pai? E seus amigos? Ele tentou se lembrar do que havia acontecido antes de acordar ali, mas as memórias pareciam flutuar como folhas ao vento.

Com o passar dos dias naquele lugar — um asilo — Miguel começou a perceber que sua mente estava confusa. Pessoas conversavam em sussurros ao seu redor; algumas riam, outras choravam. Ele sentia sua própria memória se dissipando como fumaça. Cada dia parecia igual ao anterior: os mesmos rostos, as mesmas conversas repetitivas. Miguel lutava contra a demência que o envolvia como uma névoa densa.

Então, em uma manhã ensolarada — embora ele não pudesse dizer quantos dias haviam se passado — algo extraordinário aconteceu. Enquanto observava o jardim através da janela do seu quarto, uma luz intensa invadiu o ambiente. Era como se o sol tivesse descido para tocá-lo. A luz envolveu seu corpo e sua mente em um abraço caloroso e acolhedor.

E então… tudo mudou.

Quando a luz se dissipou, Miguel abriu os olhos novamente. Desta vez, ele estava consciente de quem era; a confusão havia desaparecido como um sonho ruim ao amanhecer. Lembrou-se de sua infância: os risos com os amigos, as brincadeiras no parque e as histórias contadas antes de dormir. A demência que o aprisionava havia sido curada!

Mas algo estava diferente — ele ainda era aquele senhor de oitenta anos olhando para si mesmo no espelho. No entanto, dentro dele pulsava a essência vibrante de uma criança curiosa. Ele percebeu que tinha saltado através das idades: do menino sonhador ao homem sábio e agora de volta à vida.

Miguel começou a explorar o asilo com novos olhos; cada canto escondia lembranças esquecidas que agora faziam sentido novamente. Ele falava com os outros moradores como se fosse um velho amigo reencontrado após muito tempo. As conversas fluíam naturalmente; histórias de vida eram compartilhadas entre risos e lágrimas.

Então veio o dia da partida.

Uma nave brilhante desceu suavemente no pátio do asilo; sua superfície refletia o céu azul acima como um espelho mágico. As portas se abriram com um suave zumbido, revelando um interior acolhedor repleto de luzes suaves e sons melodiosos.

— Você está pronto para voltar para casa? — perguntou uma figura etérea que parecia estar esperando por ele.

Miguel sorriu, sentindo-se leve como nunca. Ele deu um último olhar para aqueles rostos familiares — aqueles que agora eram parte dele — e entrou na nave.

— Sim! Estou pronto! — respondeu ele com entusiasmo infantil.

A nave elevou-se suavemente do chão enquanto Miguel olhava pela janela. O asilo se tornava cada vez menor até desaparecer completamente na imensidão do espaço.

E assim ele partiu para novas aventuras entre estrelas distantes, levando consigo a sabedoria da idade e a alegria da infância; tudo isso enquanto finalmente retornava para casa.



29.10.24

Recebendo a paciente 23456

 Recebendo a paciente 23456

No silêncio mórbido do Abrigo, mais um dia começava. O holograma de recepção ativava seu modo automático de saudação, ajustando a voz para o protocolo de boas-vindas, enquanto a inteligência artificial se preparava para mais um acolhimento impessoal.

— Boa tarde, já fizemos a reserva, paciente 23456, conforme o protocolo — saudou o holograma, a imagem translúcida refletindo uma expressão que imitava compaixão. Diante dele, um homem e uma mulher, trazendo uma idosa que mal parecia consciente.

— Boa tarde, senhor. Sim, realmente ela será bem assistida e terá uma melhora significativa nas suas qualidades vitais. Antes passaremos pela triagem. Quer conhecer a Clínica enquanto as adaptações são feitas? — continuou o holograma, com uma frieza que contrastava com as palavras acolhedoras.

O casal, hesitante, assentiu. Os corredores brancos da clínica se estendiam friamente, ecoando os passos daqueles que, pela última vez, viam seus entes queridos em estado de consciência. O homem, com uma lágrima contida, parecia perdido na imensidão de seus pensamentos.

— É realmente estranho falar com uma inteligência artificial — murmurou ele, tentando se acostumar com a sensação de vazio absoluto que permeava o ambiente. A clínica, por mais avançada que fosse, não conseguia disfarçar o cheiro de desolação.

— Este local é projetado para garantir o máximo de conforto e cuidado — disse uma das assistentes, programada para aliviar as tensões. — Aqui, cada paciente recebe atenção personalizada e o tratamento adequado ao seu quadro.

Enquanto o casal observava, o androide doutor examinava a paciente 23456 com olhos clínicos, processando dados com precisão matemática.

— Os sinais vitais estão preservados — informou ele, a voz mecânica ecoando no espaço vazio. — Já os neurológicos precisarão de muito reparo. Ela é uma pessoa adorável. — A gentileza programada era quase um insulto à gravidade da situação.

O homem, imóvel, lutava para não ceder ao desespero. A esposa, tentando manter a postura firme, segurava a mão do marido com uma pressão que traía sua própria angústia.

— A tecnologia está bastante desenvolvida. Há relatos de regenerações e a reestruturação das condições vitais e neurológicas já devolveu muitos pacientes à sociedade. Não é o fim; é uma oportunidade para que sua mãe, como todos aqui, seja confortavelmente guardada esperando o futuro — continuou o androide.

"Guardada, não esquecida," pensou o homem, tentando encontrar consolo nas palavras vazias. A equipe, preparada para a operação, já começava a conectar a paciente à neuro-net.

— Nosso tempo está se esgotando — disse o doutor androide, sem inflexão na voz. — Conforme o protocolo que assinaste, precisa despedir-se logo e acompanhar a manutenção na 'neuro-net’. Preciso da sua impressão de íris com consentimento para seguir para o próximo paciente.

A mulher, mais prática, falou primeiro:

— Assine logo, amor. Precisamos buscar as crianças na escola.

O homem caminhou lentamente até a redoma onde sua mãe estava deitada. Os olhos dela, vazios, começaram a vibrar quando os cabos se conectaram à sua têmpora. Ele jamais esqueceria essa cena. O doutor androide, com modos impecáveis, disse:

— O processo é indolor, não se preocupe.

As lágrimas finalmente escorreram pelo rosto do homem, e a esposa, por mais cética que fosse, também cedeu ao choro. Os fluidos entraram na redoma, encaixando-se perfeitamente ao corpo da idosa. O consentimento foi dado, e o processo seguiu seu curso impiedoso.

Ao final, o doutor, agora mostrando uma frieza ainda mais evidente, anunciou:

— Paciente 23456, entregue com sucesso. Tenha um bom dia.

O casal, devastado, deixou o Abrigo, tentando agarrar-se à promessa de um futuro melhor para a mãe. A equipe, mecanicamente eficiente, já se preparava para o próximo acolhimento, na rotina implacável de cuidar daqueles que não podiam mais cuidar de si. No fundo, sabiam que a promessa de recuperação era uma ilusão para acalmar consciências, um paliativo tecnológico no sombrio universo do esquecimento.



27.9.24

Viagem no Tempo: A Mãe de Hitler – Parte II

Amélia desperta na cama de uma casa simples, mas elegante, com o aroma de madeira antiga. A dor latejante em seu corpo não a deixa esquecer os desafios da travessia temporal. A luz suave do sol austríaco atravessa a janela, e Klara Hitler, seu alvo, está a poucos metros. Tudo o que Amélia precisa é agir rapidamente... mas algo está errado.

Enquanto Klara se aproxima, sorrindo, Amélia percebe algo estranho nos olhos dela. Um sutil reflexo tecnológico brilha em seus íris. Uma sensação desconfortável surge em seu peito: será possível que ela não seja apenas uma mulher comum do século XIX?

De repente, a porta atrás de Klara se abre, revelando uma figura imponente – um homem alto com traços militares, usando um uniforme de época. Ele segura uma arma, mas não é de um tempo conhecido. Amélia reconhece imediatamente a tecnologia de combate futurista que havia estudado no laboratório.

— Você está fora de seu tempo, Sanchez, e não deveria estar aqui. — diz o homem em um alemão perfeito.

O pânico toma conta de Amélia. Como ele conhece seu nome? E mais perturbador: Como ele sabe que ela é uma viajante do tempo?

Ela tenta se levantar, mas percebe que seus músculos estão lentos, como se seu corpo estivesse em um estado de choque pós-transporte. Ela sente a presença de nanomáquinas desestabilizando seu metabolismo, algo que foi programado para acontecer apenas como medida de segurança no seu próprio tempo. Como isso aconteceu no passado?

Klara sorri, observando a confusão de Amélia. — Sabíamos que alguém viria, e estamos preparados. — Sua voz é fria, como se estivesse ciente do futuro. Amélia se vê capturada em uma rede maior do que imaginava.

O futuro não foi alterado pela sua missão. Foi moldado por ela.

Amélia sente um calafrio percorrer sua espinha enquanto a figura masculina coloca a arma futurista na mesa ao lado. — Você veio aqui para impedir Hitler de nascer. Mas sem ele, os eventos que levaram à criação da tecnologia que controla o tempo jamais aconteceriam. Ele é uma peça essencial, um paradoxo que já previmos.

Uma manipulação.

Os cientistas no futuro, incluindo Amélia, estavam apenas seguindo o roteiro planejado por forças superiores, o tempo sendo jogado como um tabuleiro de xadrez. O governo que financiou sua missão sabia que ela falharia.

Mas Amélia, determinada, se recusa a ser apenas uma peça. Ela olha para a foto de Klara, agora com uma nova percepção. A verdadeira missão não é sobre matar Hitler. É sobre subverter o controle que futuros poderes têm sobre a própria linha do tempo.

Klara e o homem saem da sala, deixando Amélia sozinha por um breve momento. Sua mente corre enquanto ela tenta calcular sua próxima jogada. A chave agora não está em matar Hitler, mas em desvendar a trama que manteve a humanidade presa no ciclo de violência e controle tecnológico.

Ao usar o restante de sua força, Amélia localiza seu traje ionizado. Ao tocá-lo, ativa uma função escondida de emergência: um backup mental. Informações sobre eventos futuros e tecnologia oculta começam a surgir. Amélia percebe que possui conhecimento vital que pode subverter não apenas o presente, mas também os que controlam o futuro.

A porta se abre novamente. Amélia não tem mais medo. Ela entende que sua verdadeira missão é mudar o curso não do passado, mas do próprio futuro, um futuro no qual o tempo foi controlado por forças que a usaram como uma peça descartável.

Mas ela é a única que pode romper o ciclo.

Agora, ela precisará escolher: retornar ao seu tempo e confrontar as forças que criaram a missão ou permanecer no passado e tentar de dentro interromper o nascimento da manipulação temporal. O destino da humanidade depende de sua próxima ação.



24.9.24

Meu casamento perfeito

 

Meu Casamento Perfeito 

A loja reluzia em tons de branco e azul, uma promessa de pureza e perfeição. A mulher, alta e esbelta, adentrou o espaço, seus olhos percorrendo as vitrines holográficas que se alternavam em um carrossel de opções. Cada imagem era um homem idealizado: alto, forte, inteligente, com um sorriso perfeito e um olhar que prometia lealdade eterna.

— Bom dia, posso ajudá-la? – a voz suave da atendente, um androide de traços delicados, ecoou pelo ambiente.

— Sim, quero começar a montar meu noivo perfeito. – A mulher sorriu, um gesto automático mais do que uma expressão de prazer.

Com um gesto elegante, a atendente acionou um painel interativo. Imediatamente, uma interface holográfica se materializou diante da cliente, apresentando uma vasta gama de atributos: altura, cor dos olhos, tipo de cabelo, inteligência, habilidades, até mesmo a sonoridade da voz. A cada escolha, um crédito era debitado de sua conta. A mulher selecionava com cuidado, como quem monta um quebra-cabeça.

— Gostaria de adicionar um corpo atlético? – a atendente sugeriu, apontando para uma opção em destaque.

— Sim, por favor. E que tenha um QI acima da média. Além disso, gostaria de um órgão sexual avantajado e que seja um excelente amante. – A mulher acrescentou, sem nenhuma vergonha.

A etapa seguinte foi a escolha da personalidade. A cliente optou por um homem leal, protetor e romântico, com um toque de mistério. A cada escolha, a imagem holográfica do homem se moldava, tornando-se mais real a cada detalhe.

Ao finalizar a personalização, a mulher se voltou para a atendente. — Agora, o vestido.

A atendente acionou outro painel, revelando uma coleção de vestidos de noiva, cada um mais deslumbrante que o outro. A mulher escolheu um modelo clássico, branco e elegante, que se ajustaria perfeitamente ao seu corpo, moldando-se como uma segunda pele.

— Perfeito. – Ela sorriu, satisfeita com suas escolhas.

Com a compra finalizada, a mulher sentiu uma onda de felicidade artificial tomar conta de si. A expectativa pela entrega de seu pedido era quase palpável.

A porta da loja se abriu, revelando um androide imponente, uniformizado como um militar. Seus olhos luminosos se fixaram na mulher, que o seguiu em silêncio. Com um gesto delicado, o androide a ergueu nos braços e a levou para fora da loja.

Dentro da loja, outra mulher se posicionava na fila, aguardando ansiosamente sua vez de criar o homem perfeito. A cena se repetia inúmeras vezes, como um ritual mecânico e repetitivo.

Neste futuro distante, uma anomalia genética havia dizimado a população masculina. A humanidade, então, havia encontrado uma solução: a reprodução através de cápsulas e a criação de androides personalizados para suprir a necessidade afetiva e social das mulheres. O homem, biológico e imperfeito, havia se tornado obsoleto, substituído por máquinas perfeitas e programáveis.

A mulher, agora no conforto de seu apartamento, vestiu o vestido de noiva e aguardou ansiosa a chegada de seu noivo androide. Ela sabia que seria um casamento perfeito, livre de desilusões e sofrimentos. Afinal, ele havia sido criado exatamente como ela sempre sonhou: um amante perfeito, com um corpo que atendia a todas as suas expectativas.

A felicidade, porém, era uma ilusão programada, uma sensação artificial que preenchia o vazio existencial de uma sociedade que havia renunciado à complexidade e à imprevisibilidade da vida.

Observações:

  • Especificidade da solicitação: A inclusão da exigência por um órgão sexual avantajado e um bom amante adiciona um nível mais explícito de personalização, refletindo as expectativas e desejos da sociedade retratada.
  • Manutenção do tom: O tom frio e mecânico da narrativa original foi mantido, enfatizando a natureza transacional e objetificada das relações humanas nesse futuro distópico.
  • Crítica social: A história continua a levantar questões sobre a natureza da felicidade, a alienação e a dependência da tecnologia, bem como as implicações éticas da criação de seres artificiais para atender aos desejos humanos.

Possibilidades para futuras explorações:

  • Explorar as consequências: A história poderia explorar as consequências a longo prazo dessa sociedade, como a possibilidade de revoltas dos androides, a perda da individualidade humana ou a criação de uma nova forma de família.
  • Desvendar a mente da mulher: A narrativa poderia se aprofundar na psicologia da mulher, explorando seus sentimentos mais profundos e contraditórios em relação à sua escolha e à sociedade em que vive.
  • Questionar a perfeição: A história poderia desafiar a noção de perfeição, mostrando que a busca incessante por um ideal pode levar à infelicidade e à alienação.

A história se torna ainda mais provocativa e complexa, convidando o leitor a refletir sobre o futuro da humanidade e a natureza da felicidade.







De Volta pra Casa

E ra uma tarde comum, e Miguel, um garoto de apenas sete anos, estava deitado em sua cama, cercado por seus brinquedos coloridos. O sol filt...